quinta-feira, novembro 29, 2007

Localismo...

Crowd forte e feroz no Hawaii. Foto: ASPWorldTour/Ellis

Pode parecer meio contra-senso falar de localismo no surfe, um esporte que remete os praticantes e expectadores a uma sensação de liberdade, paz e harmonia. Porém, o tema é uma constante em qualquer praia do litoral brasileiro. Vou restringir o assunto ao Brasil, pois a contextualização do problema no país por si só já é bem abrangente e estou consciente que este artigo não será ponto final para o entendimento do assunto.

Em se tratando de localismo duas situações são colocadas ao surfista: Ser local de uma praia ou ser um “intruso”, o chamado “haole”. Qualquer surfista que tenha viajado, o mínimo que seja, já vivenciou ambas as situações.

Mas o que chama ainda mais atenção é o fato do surfe ser um dos únicos esportes em que os praticantes se sentem no direito de expulsar do ambiente em que se pratica o esporte - o mar - qualquer rosto desconhecido. Ou seja, um local de uma praia que está há anos sem entrar no mar, corre o risco de ser convidado a se retirar por algum moleque folgado que começou a pegar onda há dois ou três anos e não o conheça. Contra-senso maior do que este só mesmo o antagonismo que acontece entre o prazer de praticar o esporte e a prática gratuita do localismo. Situações semelhantes não acontecem em outros esportes individuais como o atletismo, o ciclismo ou a natação.
Quando o mar sobe o crowd geralmente desaparece. Roni Ronaldo descendo a ladeira numa Silveira "tranqüila". Foto: José Carlos Parafa
O que para mim é realmente gritante e inexplicável é que quando o mar sobe, o localismo fica em segundo plano. Muitas vezes o surfista está mais preocupado em não levar uma série “varredoura” na cabeça do que em expulsar alguém do mar. A situação certamente se inverte quando temos longos períodos de mar flat, como ocorre freqüentemente no verão brasileiro, ou ainda que haja ondas, mas as séries não ultrapassem o “meio metro”. Aí sim, qualquer marola que seja “azarada” será motivo, mais do que justificado, para os “localistas[1]” de plantão colocarem em prática as mais avançadas técnicas de jiu-jitsu ou outra arte marcial qualquer.

Chega parecer infantil as discussões e pancadarias que presencio em alguns picos. Lembro que a primeira vez que assisti a um “arranca rabo” por causa de uma onda, não entendi muito bem o porque daquilo tudo. Afinal estávamos em mais ou menos dez pessoas na água com ondas sobrando para todos, mas um dos localistas se sentiu ofendido por ter que dividir uma onda com um “haole”, que por sinal era de uma praia vizinha. Na minha opinião o localismo gratuito aplicado sem qualquer critério como vem ocorrendo em diversas praias ao longo do nosso litoral é a mais pura demonstração de covardia e falta de companheirismo, mas acima de tudo demonstra a clara falta de educação e ética da nossa sociedade. O mar é o mais democrático espaço que podemos ter. Na água você encontra pessoas das mais variadas profissões, religiões e raças, não é possível que todos peguem a mesma onda, mas é necessário que cada um tenha o mínimo de bom senso para que todos possam usufruir o prazer de surfar, uma única onda que seja.

É necessário que cada um de nós tenha consciência da responsabilidade das nossas ações e acima de tudo que tenhamos a capacidade de respeitar para adquirirmos o direito de sermos também respeitados.

Concordo que em algumas situações a única maneira de impor respeito é usando de métodos não tradicionais de diálogo, mas daí a sair no “sopapo” ou expulsar alguém da água por não ser nativo daquela praia já não se pode chamar de localismo, isso é xenofobismo puro.
O localismo somente traria benefícios ao esporte se a energia demandada na expulsão do mar, de companheiros de esporte, fosse canalizada para a resolução de problemas ambientais das praias, como a devastação de áreas de preservação permanente, restingas e dunas; a emissão de esgotos a céu aberto que acabam no mar; a invasão e exploração de áreas protegidas, por especuladores imobiliários; entre outros.
O verdadeiro surfista local é aquele que se preocupa com o bem-estar da coletividade e, principalmente, com a saúde do ambiente no qual ele pratica o esporte. No mais são apenas desculpas para externar a agressividade latente no ser humano que, em alguns casos, nem o surfe cura.
Surfe é paz, relaxamento, cultura, tranqüilidade, harmonia, sentimento, educação, prazer, preservação. Surfe é vida.
[1] Localistas - Adjetivo utilizado pelo autor para definir os praticantes do Localismo.
Beda Batista
2B Surf
Texto originalmente publicado no site S365.

Um comentário:

Surf4ever disse...

Dae Beda, mais um artigo show de bola, quer dizer, de onda! Valeu pelos drops la no Surf4ever! Swell subiu por aqui e hoje peguei Punta de Lobos irado. Valeu as sugestoes la, acho que logo sai um post sulamericano, mas por enquanto ta dificil, a concentracao ta toda na remada, que aqui eh pesada, e no surf. Abracao e tudo de bom,
Gustavo