quinta-feira, julho 28, 2005

SURFE COMPETIÇÃO - UMA NOVA ROUPAGEM

Há algum tempo atrás recebi as revistas de surfe que assino e li que o novo CEO - Chief Executive Office da ASP está sendo aguardado, pela diretoria da entidade, como um novo divisor de águas do circuito mundial, viabilizando maiores investimentos junto às empresas de dentro e fora do mercado surfe.

Fiquei com a “pulga atrás da orelha” com esta notícia, pois na minha singela opinião o que realmente possibilitará ao surfe atingir novos horizontes é a reestruturação do modelo atual das competições e não um novo “boss” da suprema ASP.

Enquanto esportes como o skate, ciclismo, atletismo, automobilismo, tênis e até o golfe, são exibidos em horários nobres na “Vênus Platinada”, leia-se televisão, o surfe continua restrito ao público que pega onda. Ou seja, em geral são surfistas que prestigiam os campeonatos de surfe. O grande público que poderia assistir a um campeonato de surfe pela televisão aberta não o faz porque não há exibição dos eventos. Estou falando, exclusivamente, de canais abertos de televisão e não de canais de TV a cabo, que recentemente conseguiram visualizar a grandeza do surfe e do mercado que este abrange e estão investindo forte nas transmissões de eventos ao redor do mundo, transmitindo inclusive as finais ao vivo.

Contudo, não se trata de falta de interesse das emissoras, visto que, são veiculadas inúmeras matérias versando sobre a arte de deslizar sobre as ondas. O que ocorre é que o formato estabelecido para o esporte está completamente voltado às revistas e, de maneira mais recente, aos sites especializados acabando por limitar a veiculação de um campeonato, mesmo que seja uma etapa do WCT - World Championship Tour (Circuito Mundial de Surfe). Lembro que quando rolou em 1986, na Praia da Joaquina, em Floripa, o Hang Loose Pro Contest o evento foi transmitido por uma Rede de TV. Porém o pioneirismo daquela transmissão deu lugar aos interesses e à atratividade capitalista do marketing. Como o formato dos campeonatos mudou muito pouco, para não dizer quase nada, as redes de televisão não se interessaram em transmiti-los, pois não é fácil assistir uma bateria de 20 minutos com quatro atletas, pegando um sem número de ondas, mas pontuando apenas em 02 ou 03 delas. Para quem não surfa ou conhece ao menos um pouco do esporte fica realmente entediante.

O surfe caminhou com as próprias pernas até a atualidade, criando um mercado próprio de roupas, equipamentos, viagens e mídia, mas acredito que se queremos pensar o esporte como uma modalidade olímpica, difundida e profissionalmente viável é necessário que os cartolas do surfe abram os olhos e percebam que a possibilidade de crescimento do esporte está diretamente ligada às transmissões de eventos pela TV.
A equação é simples: Patrocinador quer retorno para a Marca. A televisão proporciona um dos mais rápidos retornos de investimento em propaganda, justamente, por atingir de forma veloz e contundente uma grande parcela da população.
Maior visibilidade = Maior alcance das Marcas = Maior volume de investimento no esporte = Melhores Premiações = Maiores SALÁRIOS aos Surfistas.
A engrenagem está toda pronta, porém é necessário que o molde dos eventos seja revisto de maneira a se adequar às grades de programação dos canais abertos de televisão.

Fico me perguntando o que os dirigentes do esporte estão esperando para alavancar a imagem do esporte em horários nobres nas televisões deste mundão. Só posso acreditar que é a preocupação com o crowd que já está em ascensão. Certamente a veiculação de finais de campeonatos de surf em uma TV Globo, por exemplo, contribuirá significativamente para “agravar” o atual quadro de crowd que muitas vezes beira o insuportável.

De qualquer forma, o formato atual das competições de surfe continua monótono. Como sugestão poderia ser utilizada uma formatação que privilegiasse não quem pegou o maior número de ondas, o qual, teoricamente, tem mais chances de surfar as melhores ondas da bateria e descartar as outras, mas quem fizesse por merecer num determinado número de ondas. Poderiam ser duas, três ou quatro ondas surfadas por cada competidor. No Brasil existe um modelo que já é utilizado pela FECASURF - Federação Catarinense de Surf, no chamado “Surfing Games Fast Heat” ou Jogos de Surfe com baterias rápidas realizadas nos confrontos entre as associações de surfe do estado. Neste modelo desenvolvido por Jordão Bailo Júnior, Vice-Presidente da entidade, os competidores têm 10 minutos para surfar 03 ondas e todas são computadas. Ou seja, não há o chamado descarte. Cada onda surfada pelo atleta vale pontos. Dessa forma, o surfista é “obrigado” a ser mais criterioso na escolha de ondas e explorar ao máximo cada manobra executada objetivando a maximização das notas.
Como as baterias são curtas, o público acompanha com mais atenção às baterias e participa mais, apoiando, incentivando e vibrando com a performance dos atletas.

Um formato mais enxuto, possibilitaria a veiculação de uma final do WCT, por exemplo, em horário nobre nos principais canais de televisão do mundo. Uma bateria homem a homem de 20 minutos, acontecendo em Teahupoo, Pipeline, Joaquina ou Vila seria sem dúvida alguma uma grande “vendedora” de quaisquer tipos de produtos.

Enquanto isso não acontece, ficamos assistindo ao esporte irmão, o skate, sendo bem representado pelos filhos desta Pátria Amada, Brasil.
Há quem prefira o golfe ou o tênis, que por sinal pagam ao vencedor de uma única etapa o equivalente ao que é pago aos surfistas durante todo um ano de circuito.

Dar uma nova (ou velha) roupagem aos eventos de surfe é o grande passo a ser dado para o fortalecimento do esporte. Remodelar os eventos, agregando feiras, oficinas de shapers, aulas de surfe e mostras contando a história do esporte e das competições é uma alternativa ainda não explorada de verdade.

Aloha,

Beda Batista.

Texto originalmente publicado nos sites:
www.s365.com.br
www.clickpraias.com.br

quarta-feira, julho 27, 2005

IMBITUBA - O PRAZER DE SURFAR


A maioria dos surfistas certamente já ouviu falar da Praia da Vila, em Imbituba-SC, principalmente, nos últimos dois anos, quando a Vila sediou as finais da etapa brasileira do WCT 2003 e, praticamente, toda a etapa do WCT Brasil de 2004.
O que muitos não sabem é que o surfe brasileiro teve seu “alicerce” formado nessas ondas e de outras praias imbitubenses tão belas e significativas quanto.
Por volta de meados dos anos 70 uma comunidade de “cabeludos com a pele queimada do sol, linguajar estranho e com o poder de andar sobre as águas” descobriu e se instalou em Imbituba para usufruírem as grandes e potentes ondas da Vila. Alguns dos protagonistas dessa saga se transformariam, anos mais tarde, em paradigmas do surfe brasileiro.
As praias de Imbituba foram desbravadas, no final dos anos 60, pelas famílias Johannpeter e Sefton, sendo que o caçula Paulo Sefton (que dispensa maiores apresentações) está instalado na “Zimba” - como é carinhosamente chamada pelos locais - até os dias de hoje. Nos anos 70 a comunidade surfística do eixo Rio-São Paulo ficou sabendo de um pico no sul do Brasil aonde rolava ondas grandes e perfeitas.
Nomes como Bento Xavier da Silveira (um dos primeiros a conhecer Imbituba) Toni Catão, Roberto Perdigão, Dani Boi, Rossini “Maraca” Maranhão, Arnaldo “Abacaxi” Spyer, Victor Vasconcelos, Cauli Rodrigues, Ianzinho, Rico de Souza, Ricardo Bocão, Wanderbill, Penho, Jonny B.Good, Fedoca, Sidão Tenucci entre outros começaram a freqüentar a cidade e se tornaram conhecidos. Toni Catão que era de uma família tradicional e de posses na região tinha uma verdadeira mansão da família à beira-mar, chamada de Chalé 4. O famoso Chalé 4 tornou-se a base para um novo estilo de vida de jovens que queriam curtir praia, sol e surfe, muita gente famosa esteve hospedada na casa. Ali foi o início da atual Hot Stick, na época Vic Stick, do Victor Vasconcelos. Também iniciou ali a confecção das primeiras bermudas brasileiras, a Nazimbi (em referência à cidade - Na Zimbituba => Nazimbi) de propriedade do Dani Boi. Roberto Perdigão, atual diretor da ASP South America, residiu em Imbituba por longos anos trabalhando na Emacobrás - empresa de propriedade da família de seu amigo Toni Catão.
Enfim, o Chalé 4 com uma vista única (até os dias de hoje) repleta de jovens descomprometidos com o sistema foi o “arcabouço” da atual estrutura do esporte. Imbituba caminhava para se tornar a Capital Nacional do Surfe muito antes de alguém imaginar que o surfe atingiria os patamares atuais de popularidade. Imbituba era o paraíso de qualquer surfista brasileiro que estivesse disposto a botar pra baixo nas rampas da Vila e do Porto.
Quando tudo conspirava a favor de Imbituba explodir como natural e autêntica cidade do surfe, algum “infeliz”, engravatado de gabinete, teve a “brilhante” idéia de criar uma indústria estatal poluente às margens das ondas da Vila e do Porto, aproveitando o rejeito piritoso do carvão e produzindo ácidos sulfúrico e fosfórico. Os políticos, míopes por natureza, enxergaram na idéia a oportunidade de desenvolvimento a curto-prazo e esqueceram de toda a destruição ambiental que a cidade sofreria ao aceitar uma indústria daquelas. A região conhecida como Bosque foi devastada para construção da estatal. O Bosque era uma imensa reserva verde com árvores centenárias que cobriam uma grande área e por onde era feito o acesso da Praia da Vila para a Praia do Porto. No canto direito da Praia do Porto, chamado de Canto do Paraná, rolava altas ondas e quando o mar estava storm na Vila tinha altas no Porto. Ou seja, era a Disneylândia de qualquer surfista com vento nordeste, terral na Vila; vento sul, terral no Porto. Era mais ou menos essa a atmosfera da cidade, antes da instalação da indústria, bastava cruzar o Bosque de acordo com o swell e o vento e fazer a cabeça de ondas.

No entanto, a ICC - Indústria Carboquímica Catarinense acabou com o Bosque e com o verde da região próxima, de quebra ainda pintou a paisagem de um vermelho forte resultado dos produtos “beneficiados” em sua atividade fim. O turismo não prosperou, pois nenhum turista gostaria de encontrar um verdadeiro “elefante branco” na beira da praia. Os surfistas que tinham se instalado por ali trataram de buscar lugares livres da ganância política. A cidade teve uma certa estabilidade enquanto a indústria esteve em atividade. Muitos empregos foram gerados, mas em geral trabalhava mais gente de fora do que nativos. Sofrendo o início dos efeitos da globalização a empresa perdeu mercado e acabou por falir. Com a privatização implantada pelo então Presidente Itamar Franco, não houve um sequer interessado na aquisição da ICC. Era o fim da poluição.

No surfe a semente do esporte semeada pela geração dos anos 70, brotou e continuou dando frutos. Várias gerações se formaram desde aquela época e a paixão pelo esporte vem passando de geração para geração.
A Vila continuou sendo o destino de várias viagens de surfe, mas o ressurgimento do pico para o mundo do surfe ocorreu com o OP Pro 94. A Vila voltou ao cenário competitivo nacional sendo a escolhida para abertura da primeira etapa do circuito brasileiro, válida para o ranking WQS. E a “Vilinha” não decepcionou, no domingo das finais tinha altas ondas de leste.

A partir daí a história começa a mudar. O turismo redescobre a cidade, até as Baleias Franca voltaram a freqüentar o paraíso em número cada vez maior. A cidade está trabalhando a sua vocação natural, focada no turismo de observação de Baleias, que visitam nossas praias para acasalar, procriar e amamentar seus filhotes e, sem dúvida alguma, no esporte dos reis, o surfe.

Em 2000 foi a vez da Praia do Rosa sediar uma etapa do WLT, circuito mundial de longboard. Em 2000 e 2001 a Vila aparece novamente no cenário nacional ao receber a penúltima etapa do circuito brasileiro Super Surf. Em 2003 e 2004 aterrissa nas areias e ondas da Vila a 1ª divisão do circuito mundial, sedimentando de vez o nome da Vila entre as melhores ondas do Brasil e do mundo.

Torna-se visível que a herança deixada pelos jovens cabeludos e visionários foi tamanha que hoje qualquer um que surfar na Vila terá certeza que o surfe transcende idade e fronteiras. O feeling arraigado pelos desbravadores continua se expandindo e tomando corações e mentes, desde a gurizada de 12 e 13 anos até a geração “das antigas”. Pessoas como Gil de Bona, Gariba, Flávio “Magrão” Bortoluzzi, Tânia Candemil, Nedo, Body Galego, Gilmar Carvalho, Baia, Jota, Chicão, Zé Henrique, Nico, Neno Heleodoro, Fábio Carvalho, Klever e Capaverde, apenas para citar alguns, têm o sentimento do surfe estampado no rosto. Basta apenas que você tenha a percepção suficiente ao encontrá-los no canal após uma direita em pé de meio, um ou dois metros.

Certamente você encontrará no pico “pais e mães de família” dropando altas ondas em meio ao “crowd” local e, além de compartilhar as ondas ainda estampam aquele sorriso único de satisfação, paz e tranqüilidade de um bom dia de surfe.
E o que não nos causa espanto e pode chocar algum desavisado é que o convívio de quatro gerações, que encontraram no surfe um sentimento puro proporcionado por um esporte alucinante, continuará acontecendo indefinidamente. Pois toda a energia das ondas da Vila aliada a atmosfera magnífica de uma pequena cidade açoriana e ao alto astral dos locais contribuem para fortalecer sempre o mais puro e simples prazer de surfar.


Boas ondas,

aloha,

Beda Batista.

Texto originalmente publicado nos sites:
S365.com.br
waves.com.br
clickpraias.com.br