quarta-feira, julho 27, 2005
IMBITUBA - O PRAZER DE SURFAR
A maioria dos surfistas certamente já ouviu falar da Praia da Vila, em Imbituba-SC, principalmente, nos últimos dois anos, quando a Vila sediou as finais da etapa brasileira do WCT 2003 e, praticamente, toda a etapa do WCT Brasil de 2004.
O que muitos não sabem é que o surfe brasileiro teve seu “alicerce” formado nessas ondas e de outras praias imbitubenses tão belas e significativas quanto.
Por volta de meados dos anos 70 uma comunidade de “cabeludos com a pele queimada do sol, linguajar estranho e com o poder de andar sobre as águas” descobriu e se instalou em Imbituba para usufruírem as grandes e potentes ondas da Vila. Alguns dos protagonistas dessa saga se transformariam, anos mais tarde, em paradigmas do surfe brasileiro.
As praias de Imbituba foram desbravadas, no final dos anos 60, pelas famílias Johannpeter e Sefton, sendo que o caçula Paulo Sefton (que dispensa maiores apresentações) está instalado na “Zimba” - como é carinhosamente chamada pelos locais - até os dias de hoje. Nos anos 70 a comunidade surfística do eixo Rio-São Paulo ficou sabendo de um pico no sul do Brasil aonde rolava ondas grandes e perfeitas.
Nomes como Bento Xavier da Silveira (um dos primeiros a conhecer Imbituba) Toni Catão, Roberto Perdigão, Dani Boi, Rossini “Maraca” Maranhão, Arnaldo “Abacaxi” Spyer, Victor Vasconcelos, Cauli Rodrigues, Ianzinho, Rico de Souza, Ricardo Bocão, Wanderbill, Penho, Jonny B.Good, Fedoca, Sidão Tenucci entre outros começaram a freqüentar a cidade e se tornaram conhecidos. Toni Catão que era de uma família tradicional e de posses na região tinha uma verdadeira mansão da família à beira-mar, chamada de Chalé 4. O famoso Chalé 4 tornou-se a base para um novo estilo de vida de jovens que queriam curtir praia, sol e surfe, muita gente famosa esteve hospedada na casa. Ali foi o início da atual Hot Stick, na época Vic Stick, do Victor Vasconcelos. Também iniciou ali a confecção das primeiras bermudas brasileiras, a Nazimbi (em referência à cidade - Na Zimbituba => Nazimbi) de propriedade do Dani Boi. Roberto Perdigão, atual diretor da ASP South America, residiu em Imbituba por longos anos trabalhando na Emacobrás - empresa de propriedade da família de seu amigo Toni Catão.
Enfim, o Chalé 4 com uma vista única (até os dias de hoje) repleta de jovens descomprometidos com o sistema foi o “arcabouço” da atual estrutura do esporte. Imbituba caminhava para se tornar a Capital Nacional do Surfe muito antes de alguém imaginar que o surfe atingiria os patamares atuais de popularidade. Imbituba era o paraíso de qualquer surfista brasileiro que estivesse disposto a botar pra baixo nas rampas da Vila e do Porto.
Quando tudo conspirava a favor de Imbituba explodir como natural e autêntica cidade do surfe, algum “infeliz”, engravatado de gabinete, teve a “brilhante” idéia de criar uma indústria estatal poluente às margens das ondas da Vila e do Porto, aproveitando o rejeito piritoso do carvão e produzindo ácidos sulfúrico e fosfórico. Os políticos, míopes por natureza, enxergaram na idéia a oportunidade de desenvolvimento a curto-prazo e esqueceram de toda a destruição ambiental que a cidade sofreria ao aceitar uma indústria daquelas. A região conhecida como Bosque foi devastada para construção da estatal. O Bosque era uma imensa reserva verde com árvores centenárias que cobriam uma grande área e por onde era feito o acesso da Praia da Vila para a Praia do Porto. No canto direito da Praia do Porto, chamado de Canto do Paraná, rolava altas ondas e quando o mar estava storm na Vila tinha altas no Porto. Ou seja, era a Disneylândia de qualquer surfista com vento nordeste, terral na Vila; vento sul, terral no Porto. Era mais ou menos essa a atmosfera da cidade, antes da instalação da indústria, bastava cruzar o Bosque de acordo com o swell e o vento e fazer a cabeça de ondas.
No entanto, a ICC - Indústria Carboquímica Catarinense acabou com o Bosque e com o verde da região próxima, de quebra ainda pintou a paisagem de um vermelho forte resultado dos produtos “beneficiados” em sua atividade fim. O turismo não prosperou, pois nenhum turista gostaria de encontrar um verdadeiro “elefante branco” na beira da praia. Os surfistas que tinham se instalado por ali trataram de buscar lugares livres da ganância política. A cidade teve uma certa estabilidade enquanto a indústria esteve em atividade. Muitos empregos foram gerados, mas em geral trabalhava mais gente de fora do que nativos. Sofrendo o início dos efeitos da globalização a empresa perdeu mercado e acabou por falir. Com a privatização implantada pelo então Presidente Itamar Franco, não houve um sequer interessado na aquisição da ICC. Era o fim da poluição.
No surfe a semente do esporte semeada pela geração dos anos 70, brotou e continuou dando frutos. Várias gerações se formaram desde aquela época e a paixão pelo esporte vem passando de geração para geração.
A Vila continuou sendo o destino de várias viagens de surfe, mas o ressurgimento do pico para o mundo do surfe ocorreu com o OP Pro 94. A Vila voltou ao cenário competitivo nacional sendo a escolhida para abertura da primeira etapa do circuito brasileiro, válida para o ranking WQS. E a “Vilinha” não decepcionou, no domingo das finais tinha altas ondas de leste.
A partir daí a história começa a mudar. O turismo redescobre a cidade, até as Baleias Franca voltaram a freqüentar o paraíso em número cada vez maior. A cidade está trabalhando a sua vocação natural, focada no turismo de observação de Baleias, que visitam nossas praias para acasalar, procriar e amamentar seus filhotes e, sem dúvida alguma, no esporte dos reis, o surfe.
Em 2000 foi a vez da Praia do Rosa sediar uma etapa do WLT, circuito mundial de longboard. Em 2000 e 2001 a Vila aparece novamente no cenário nacional ao receber a penúltima etapa do circuito brasileiro Super Surf. Em 2003 e 2004 aterrissa nas areias e ondas da Vila a 1ª divisão do circuito mundial, sedimentando de vez o nome da Vila entre as melhores ondas do Brasil e do mundo.
Torna-se visível que a herança deixada pelos jovens cabeludos e visionários foi tamanha que hoje qualquer um que surfar na Vila terá certeza que o surfe transcende idade e fronteiras. O feeling arraigado pelos desbravadores continua se expandindo e tomando corações e mentes, desde a gurizada de 12 e 13 anos até a geração “das antigas”. Pessoas como Gil de Bona, Gariba, Flávio “Magrão” Bortoluzzi, Tânia Candemil, Nedo, Body Galego, Gilmar Carvalho, Baia, Jota, Chicão, Zé Henrique, Nico, Neno Heleodoro, Fábio Carvalho, Klever e Capaverde, apenas para citar alguns, têm o sentimento do surfe estampado no rosto. Basta apenas que você tenha a percepção suficiente ao encontrá-los no canal após uma direita em pé de meio, um ou dois metros.
Certamente você encontrará no pico “pais e mães de família” dropando altas ondas em meio ao “crowd” local e, além de compartilhar as ondas ainda estampam aquele sorriso único de satisfação, paz e tranqüilidade de um bom dia de surfe.
E o que não nos causa espanto e pode chocar algum desavisado é que o convívio de quatro gerações, que encontraram no surfe um sentimento puro proporcionado por um esporte alucinante, continuará acontecendo indefinidamente. Pois toda a energia das ondas da Vila aliada a atmosfera magnífica de uma pequena cidade açoriana e ao alto astral dos locais contribuem para fortalecer sempre o mais puro e simples prazer de surfar.
Boas ondas,
aloha,
Beda Batista.
Texto originalmente publicado nos sites:
S365.com.br
waves.com.br
clickpraias.com.br
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Um comentário:
Incrivelmente escrito e simplesmente a pura verdade com o real espirito e feeling do surf.
Parabens Beda, por sua voca�o jornalistica e informativa.
Que com certeza futuras gera�es ir�o um dia ler estas mat�rias e sentir tudo isto que voc� passa em suas linhas, de como somos felizes ao simplesmente ver a vila sem ao menos entrar na �gua, como foi o meu caso quando estive ai no inicio de agosto/07.N�o deu pra surfar, mas senti toda a vibra�o que a nossa VILA nos d�.
ALOHA AND GOOD WAVES
JAH BLESS FOR ALL
PROTECT THE ENVIROMENT
EDGAR TAVARES
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